segunda-feira, 15 de março de 2010

Desenho-te





Traço no papel. A lápis de carvão.
Corro os sentidos que me incentivam
a moldar-te, a oxigenar celulose,
para que esta não sufoque
na saudade
da tua ausência.
.
No caderno ventricular
acedo à vertigem.
Lanço-me do arco
que o rubi da tua beleza
marcou com silêncios
no toque - maresia transparente.
.
Deixo o compasso sobre a mesa.
Ouso fechar os olhos na ponta dos dedos,
e percorro-te assim.
.
Afasto a borracha.
porque não preciso corrigir os sentidos.
Tacteio os teus lábios na minha mente,
feitos à medida
da seda da tua pele.
.
Não preciso de lápis de cor.
Para os teus olhos naufrago nas areias do deserto,
aos teus cabelos rasgo os céus
e sorvo nas mãos a cauda de um cometa
como se bebesse
o eco
do teu peito intergaláctico.
.
Desenho-te sem papel.
.
Rasgo as sombras da lua na parede inquieta.
Desinquieto-me ao pensar-te.
.
Bebo a tua voz.
Ouço o perfume dos teus lábios.
Cheiro o som dos teus passos.
Abro o licor arrepiado na tua nuca.
.
Pressiono mais forte
Para um traço de nuvens em tempestade.
Giro a bússola no queixo
e sigo a este e a oeste pelos ombros
que devoram cansaços
em noites sem dimensão.
.
Comprometo-me a gravar o timbre.
Entro em acordo com as pernas delicadas
para que me mostrem em seus passos
a forma em que a chuva cai;
ou a melhor berma flutuante onde subir
a língua em dialectos de rimas.
.
Fecho as portas do castelo.
Incendeio as varandas seculares
ligadas a um prumo afiado na coluna vertebral.
Acendo tochas com o fogo das minhas memórias
que fizeram parte do degelo
na intempérie dos teus poros radioactivos.
.
Desenho-te como nunca te olhei,
porque olho a teia
que a aranha dos teus gestos
construiu na tua alma pintada de negro.
.
Componho sons no eco da temperança,
calibro a balança onde adormeces
para que aquilo que sentes hoje
não sofra uma metamorfose ávida de segredos.
.
Não sei mais desenhar-te
sabendo que tenho de parar um minuto que seja
para aniquilar o cansaço.
.
A orquestra celular rendiriza-te,
grava-te em reflexos de flores de álcool
que submergem num coral de cedros
esculpidos com a tua imagem.
.
O mundo olha-me a olhar-te.
Sobrevivo ao naufrágio do poema.
Sobrevivo ao sismo cerebral.
suporto o furacão da tua doçura.
Suporto a vaga de calor da tua sede.
.
Reanimo-te do desmaio após o choque frontal
entre o meu ego e o teu.
.
Assino a minha obra prima
com a aguarela das tuas lágrimas tingidas pelo vazio.
Coloco a data em que a solidão veio visitar-me,
na espera de encontrar-te em livro.
.
Astuto
revelo a minha identidade
ao itálico das letra com que te começo,
porque nunca te acabo.
.
És obra-prima
que nenhum museu algum dia conhecerá.
.
Construo-te.
Redimensiono-te.
Exploro.
Crio.
Reafirmo.
Realço.
Sublinho.
Amplio.
Dou cor.
E sabor.
.
Mastigo bolas de naftalina
para que a traça não me consuma.
Sou a página anterior
e a seguinte ao teu corpo.
Sou dois braços envolvendo-te
num livro que criámos.
.
Da essência sabemos o infinito
sem palavras.
Das letras sabemos a ordem e a desordem
centrifugadas num círculo à margem do mundo.
.
Ao desafio respondi.
À provocação marquei o duelo.
Na hora precisa tornei o teu rosto
num western mais veloz.
.
A corda cede.
Sobrevivo à fogueira
e à guilhotina da saudade.
.
Crio um épico no teu peito.
Janelas amplas,
paredes de sonhos,
tecto de confiança,
porta sem chave.
.
Faço-te Primavera,
Faço-te Verão,
Faço-te Outono,
E faço-te Inverno...
Para que saibas
que em qualquer estação
sou um comboio sem apeadeiro
para uma partida ou um regresso:

- Quando te desenho
é pela alma que te meço.

(Saudades que são impossíveis de medir, tristeza infindável)

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