sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Medos II - Abraço-te



Pode o tempo parar,
as horas perderem-se,
os minutos gastarem-se em lutas,
os segundos cairem das árvores
em lutas;
os segundos cairem das árvores
tombadas pelo vento,
os centésimos serem cristal frágil
os milésimos finíssima folha de papel
para queimar as minhas mãos,
mas eu não deixarei de as entrelaçar nas tuas.
.
Abraço-te
.
Pode o chão de madeira nos meus olhos partir,
escorregar na resina fria das células,
diluir-me numa floresta negra
onde não chega o sol;
ser chicoteado pelos ramos na tempestade
e não deixarei que a noite íngreme,
por maior que seja, vença.
.
Abraço-te.
.
Pode a pele do meu corpo sofrer uma mutação
que me torne irreconhecível,
o pôr-do-sol tombar vermelho
nas minhas unhas ensanguentadas com os dedos feridos,
os pés encherem-se de poeira agreste
ter sede infinita,
mas ainda assim segurarei a corda
para não caíres.
.
Abraço-te.
.
Posso ficar preso numa rede feita por um assassino,
emaranhado numa teia de aranha gigante
sem sentimentos;
ser picado por abelhas africanas,
sentir na garganta o nevoeiro escuro do silêncio...
Amordaçando-me
e ainda assim gritarei o teu nome ao céu
para que nunca me esqueças
e saibas que na noite mais escura sem luz,
pontuarei de estrelas o teu rosto triste
para que me sorrias.
.
Abraço-te.
.
Podem levar-me para longe,
largar-me no mar
onde sou amador entre os peixes
e presa para os tubarões esfomeados;
beber a água salgada para a minha alma e ter hipotermia,
adormecer quase lívido
e o meu coração continuará a bater
para não te deixar naufragar na tempestade
que existe em muitos momentos à tua volta.
.
Abraço-te.
.
Podem tirar-me o papel e a caneta,
destruir todas os livros e folhas de jornal,
contruir aviões que se desintegrem,
ou naves para enviar para órbitas longínquas
que nunca mais voltarão;
podem tirar-me a voz,
fechar-me as pálpebras para que o brilho dos meus olhos
não te fale.
Podem paralisar-me os sentidos, apagar-me os sonhos,
reescrever a minha existência,
fazer amnésia de betão na minha mente,
erguer arame farpado nos meus lábios
que chegue até a lua
e o sangue de mim tingir os lagos...
Podem arrancar-me o coração do peito,
enjaulá-lo numa solitária,
deixar que o inverno crie raízes na minha face
ou arrepiarem-me com o perfume das marés geladas
e eu não te esquecerei
e estarei aqui sempre para lutar, sem desistir.
.
Abraço-te
.
Pode o medo gritar-te ao ouvido,
entranhar-se nos lençóis quando queres adormecer...
ameaçar-te no subconsciente,
percorrer as paredes em forma de sombras,
falar-te com os caninos fora da boca;
pode o medo intimidar-te, ter braços, pernas, olhos,
voz, gestos, críticas, exigências,
e com ironia querer isolar-te do mundo,
isolar-te dos teus sonhos,
isolar-te de ti mesma
isolar-te do desejo de ser feliz:
e eu estarei sempre em cada milímetro de ti
para que o sol nasça fresco como o pão quente,
para que a chuva caia como as lágrimas de alegria,
para que a dor intensa deixe de ser maré contínua.
Transformá-la.
Combatê-la.
Moldá-la.
Vencê-la.
.
Abraço-te.
.
Pode uma flecha flutuar no vazio
e correr galáxias em busca de veneno
que me possa aniquilar como se de uma serpente se tratasse,
pode um leão surgir-me no caminho
com arrogância e ferocidade,
ou um bando de abutres dar-me bicadas:
voarei sempre no teu coração
para que ele receba o meu carinho.
.
Podem cair todas as lágrimas
mas conseguirei ser o melhor nadador do mundo.
.
Abraço-te.
.
Enfrentarei qualquer medo de ambos.
Posso tremer e a respiração ficar lenta.
Podem tirar-me tudo,
mas jamais poderão fazer-me desistir
do arco-íris que me dá cor à vida:
Tu.
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1 comentário:

  1. HUM!! QUE intenso este poema QUEM É A MUSA INSPIRADORA? Conta lá vá que eu não digo a ninguém lol
    muito bonito deveras
    eu também queria um abraço desses.
    Sabes dizer-me onde se encontra?
    Está á venda em farmácias?

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