quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Correndo para o abismo




Correndo pela cidade sem ter a mínima ideia de como parar ou voltar atrás. Foi assim que começou a minha viagem surpreendente. Não sabia porque corria, mas ia cada vez mais rápido e com menos tracção. Motos por todo o lado, lixo espanhado pelo chão, e até um tanque de guerra pairava sobre um quintal, que antes tivera uma bela horta. Chocava com as pessoas que passavam por mim: o merceeiro da esquina que usava um avental cheio de flores, a peixeira ambulante, o vendedor de enganos, o profeta das ruas. Mas a velocidade aumentava cada vez mais. Eu não mandava nos meus membros, nem na minha mente. Estava posto ali para correr sem saber porquê. Sem ter tempo para parar e beber um café cremoso ou para respirar calmamente a brisa junto ao miradouro. Corria, corria como nunca correra até então. A boca parecia secar com sede, mas logo uma chuva cupiosa se abateu sobre mim. Da pureza da chuva descobri o aroma da água. Passaram muitos quilómetros, muitas avenidas, curvas e esquinas, muitas pessoas com diferentes sentimentos. Mas ninguém corria como eu. Não era dia de maratona, não era ladrão a fugir da polícia. Que era então? O futuro foi-se estreitando, o passado foi pesando, acumulando-se nas falésias dos passos. Tudo terminou num ápice: Um subida íngreme, duas pernas cansadas, um coração desolado... e uma coragem perdida. O fim da viagem para um soldado inquieto.
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A Última Viagem



Côncava esperança,
as velhas margens da tua idade,
as feridas nas mãos,
o sol que queima debaixo das unhas
o verde líquido da tua pele na pele selvagem de uma rã..
O pântano quadrado,os olhos dispersos na poeira;
lágrimas triangulares entre gritos...
Uma outra noite feita de ânsia,
o espectro da inocência,
trilho de inconformismo variável...
O infinito em pedaços,
a última viagem...
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terça-feira, 25 de agosto de 2009

Noite Fria



É o gelo nas árvores que me faz lembrar as tuas mãos,
é o frio do vento que me leva a escrever-te em silêncio
à luz imaginária de uma lareira apagada...
Sentado no sofá, abro a janela dos meus olhos,
aqueço as pupilas com as palavras que te escrevo
e espero que a manhã acorde para lá dos portais
da saudade
onde vozes ténues chamam à clareira
«mundo imaculado»..
Demoro a escrever,
não por causa da neve nas pálpebras,
mas porque o escuro me determina
a cegueira na ponta dos dedos.
E aí tenho de voltar à sensibilidade do coração,
ao delinear das sílabas,
gritando sem se ouvir para lá das colinas,
mas ecoando na tua alma...
que este poema é um ramo dessa árvore
plantada num sonho,
numa noite fria
e desenhado para ti.
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